Os debates em torno do conceito de cargo de confiança bancário são um tema constante na justiça trabalhista. Em geral, os bancos e as instituições financeiras utilizam esse expediente para justificar uma extensão de jornada aos funcionários. Ou seja, os trabalhadores e as trabalhadoras deixam de ter direito ao recebimento de horas extras pelo trabalho que ultrapasse a jornada normal de seis horas, legalmente instituída para os bancários. As empresas, portanto, tendem a vulgarizar essa classificação com o intuito de diminuir seus custos. Isso acontece com diferentes funções. E uma das situações mais comuns refere-se à relação entre cargo de confiança e gerente de contas.
Diversos bancos consideram o gerente de conta como um cargo de confiança. Mas isso nem sempre é verdadeiro. O fato de estar numa posição tida como “gestão” ou “de gerência” não é o único requisito para uma função ser considerada dessa forma. Existem outros itens que devem ser preenchidos. Pensando nisso, #DQT (Direito de Quem Trabalha) vai trazer uma explicação sobre a relação entre cargo de confiança e gerente de contas. A ideia é mostrar quando os bancários enquadram-se (ou não) nesse caso.
O texto abaixo tem o suporte do advogado André Lopes, sócio do escritório Gonçalves, Auache, Salvador, Allan e Mendonça (Gasam), integrante do Ecossistema Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra). Confira!
Gerente de contas: vários nomes, uma só função
Primeiramente, vale explicarmos que a nomenclatura de “gerente de contas” não é a única utilizada pelo sistema bancário. As instituições podem dar diferentes nomes ao mesmo cargo. Isso inclui, por exemplo, gerente comercial, gerente de negócios, gerente de relacionamento pessoa física ou jurídica. Enfim, há muitas variações. A atividade central, entretanto, não muda muito. Trata-se do bancário que é nominado como “responsável” por uma carteira de clientes, cujo trabalho se resume a prospectar novos negócios e comercializar produtos dos bancos – seja para pessoas físicas ou empresas.
Cargo de confiança: de olho na regra geral
O segundo passo é entendermos como um bancário pode ser enquadrado em um cargo de confiança. De acordo com o artigo 62, inciso II, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o cargo de confiança não estão abrangidos pelo regime da jornada de trabalho. Ou seja, esse profissional fica dispensado da anotação de cartão-ponto. Já os empregados considerados “gerentes”, os quais se equiparariam aos diretores e chefes de departamento ou filial, devem receber a chamada gratificação função. Esse valor tem de ser ser igual ou superior a 40% do salário-base.
No meio bancário, esta regra geralmente é utilizada pelos bancos para os chamados “gerentes-gerais” de agência, por supostamente a função destes se equiparar a autoridade máxima do local, o que, ressalte-se, deve ser discutido caso a caso.
Cargo de confiança e o gerente de contas: o fator da jornada bancária
A jornada de trabalho é um elemento importante nessa equação. No caso dos bancários e bancárias, o artigo 224, caput, da CLT, estipula que a jornada para esta categoria é de seis horas diárias. A exceção, prevista no parágrafo segundo deste mesmo artigo, é de quem ocupa o cargo de confiança. Esses empregados, portanto, na prática, cumprem uma jornada de oito horas diárias. Ou seja, eles – em tese – não têm direito a receber pelas sétima e oitava horas, que deixam de ser consideradas horas extras, embora registrem a jornada em cartão ponto. Aqui entra a discussão fundamental que envolve a relação entre cargo de confiança e gerente de contas, quando deve ser observada a existência (ou não) de dois requisitos:
O primeiro, chamado de requisito objetivo, se refere ao recebimento, pelo empregado, de um adicional de, no mínimo, um terço do salário base para quem ocupa cargo de confiança. É a chamada gratificação por função. Já o segundo ponto, chamado de requisito subjetivo, ressalta a importância diferenciada das atividades exercidas pelo funcionário na comparação com as de seus colegas, bem como a necessidade de subordinação de outros empregados para com este.
De modo geral, se tais requisitos não forem observados de forma cumulativa, a função não pode ser considerada um cargo de confiança. Ainda assim, a justiça trabalhista debate casos em que os requisitos subjetivos são contemplados parcialmente, já que em regra todos eles recebem a gratificação de função. É daí que surgem as discordâncias entre as empresas e os trabalhadores e trabalhadoras.
Gerente de contas: quando se torna cargo de confiança
A principal queda de braço entre bancos e representantes da classe trabalhadora concentra-se na questão das distorções cometidas contra a regra geral da jornada bancária. No caso dos gerentes de contas, os bancos utilizam uma série de argumentos para enquadrá-los como cargo de confiança. Mas isso nem sempre é pertinente.
Um dos fatores que pesam em relação a essa pauta refere-se ao próprio histórico do cargo de gerente. “No passado, o gerente de contas era um função com status diferenciado na sociedade, especialmente em cidades menores. Ele tinha um poder decisório maior e podia definir parâmetros próprios com base no relacionamento mantido com os clientes. Mas isso mudou a partir da digitalização dos processos bancários”, explica André Lopes, do Gasam Advocacia. Atualmente, a autonomia dos gerentes de conta fica subordinada a regras aplicadas pelo próprio sistema das instituições bancárias. Eles não têm poder para conceder empréstimos ou dar descontos que o sistema proíbe, por exemplo.
Informações sigilosas: o argumento dos bancos
Além disso, em razão das atuais necessidades comerciais do mercado financeiro, os gerentes de conta assemelham-se muito mais a vendedores do que a gestores. A rotina deles está voltada ao cumprimento de metas estabelecidas pelos escalões mais altos dos bancos. Ainda assim, eles têm acesso a informações consideradas sigilosas sobre os clientes. Os bancos costumam utilizar esse argumento para justificar o enquadramento como cargo de confiança.
O advogado André Lopes ressalta, entretanto, que essa não é uma prerrogativa apenas dos gerentes de contas. Trata-se de um conjunto de informações inerentes à atividade bancária em si. Até mesmo um atendente de caixa pode acessar determinados dados privados dos clientes para consultas. E isso não o coloca automaticamente como um ocupante de cargo de confiança.
Assistentes de contas e a subordinação ao gerente
Outro tema levantado pelos empregadores é a coordenação dos assistentes de conta, que trabalham vinculados às carteiras de clientes. Isso poderia, de alguma forma, configurar um poder de mando. Mas o fato é que os assistentes, via de regra, trabalham para diferentes carteiras, tendo uma atuação volante entre gerentes e gestores de contas. Ou seja, o argumento da subordinação também é contestável.
Gerente operacional: gestão compartilhada
Em agências menores, há casos de gerentes de contas que dividem a gestão da unidade com o chamado gerente operacional ou administrativo. Aqui, as atribuições de cada um precisam ser verificadas de modo particular. Existem situações, portanto, em que há uma zona cinzenta relacionada ao debate das diferenças entre cargo de confiança e gerente de contas.
Cargo de confiança e gerente de conta: a posição dos tribunais
As ações envolvendo as discordâncias entre cargo de confiança e gerente de conta não recebem um direcionamento padrão por parte dos juízes trabalhistas. “Há um caráter subjetivo que pode pesar nas decisões”, reconhece André Lopes. Não é raro, assim, vermos tribunais apresentarem entendimentos distintos sobre os mesmos argumentos. Por vezes, a favor dos trabalhadores. Em outras, acatando a justificativa dos bancos.
Cargo de confiança bancário: ações coletivas de sétima e oitava horas
Os sindicatos bancários, com o intuito de proteger a classe trabalhadora, organizam ações coletivas preventivas ligadas ao tema. O propósito é evitar o enquadramento de gestores de conta como cargos de confiança sem a devida regularidade. Assim, caso o bancário ou a bancária entenda que um cargo de confiança lhe está sendo atribuído erroneamente, a medida mais indicada é procurar o sindicato da sua região.
É provável que já exista uma ação tramitando nesse sentido para resguardar os seus direitos e evitar a sonegação de benefícios. As causas coletivas ligadas à sétima e oitava horas são uma importante ferramenta de mobilização da classe bancária. Caso o sindicato local não tenha processos nesse sentido, ou houve o indeferimento da ação, o bancário pode partir para uma reclamação individual. Para tanto, ele deve buscar um advogado trabalhista que possa lhe explicar os trâmites e fazer os encaminhamentos necessários.
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DIREITO DE QUEM TRABALHA (#DQT!) é um serviço de conteúdo informativo elaborado pelos escritórios Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça, de Curitiba (PR), e Marcial, Pereira e Carvalho, de Belo Horizonte (MG). Ambos integram o Ecossistema Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra).